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Marcelo Ninio

No Oriente Médio

Perfil Marcelo Ninio é correspondente em Jerusalém

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O desgosto da oposição síria com o Brasil

Por Marcelo Ninio
18/03/12 17:22

Ammar Al Wawi, capitão do ELS: "Já há uma intervenção estrangeira na Síria" (Foto: Marcelo Ninio)

Visto o casaco e já estou pronto para sair quando Ammar Al Wawi, capitão do Exército Livre da Síria (ELS), me segura pelo braço. “Diga à sua presidente que ela também terá uma revolução no Brasil se continuar apoiando o regime sírio”, avisa e completa com um sorriso. “E que nunca mais torceremos para a seleção brasileira”.

Refugiado na Turquia, como outros milhares de sírios, Wawi, 35, serve como porta-voz do ELS, a milícia rebelde formada principalmente por desertores do Exército. Com o apoio do governo turco, montaram uma base na fronteira e se articulam para derrubar o ditador Bashar Assad. Mas faltam organização, homens e, principalmente, armas para fazer frente às forças do regime, que em um ano de revolta matou mais de 8 mil civis.

Sem sapatos e cercado de exilados sírios, em quase uma hora da entrevista de Wawi à Folha (publicada na versão impressa), a maioria das queixas foi direcionada ao Irã, principal aliado de Assad, Rússia e China, que bloqueiam uma condenação ao regime no Conselho de Segurança da ONU.

Mas sobraram críticas também ao Brasil e outros países que não expressam apoio à revolta. Em uma visita a um dos três campos de refugiados na fronteira, eu já havia ficado surpreso com o nível de informação dos sírios sobre a posição de cada país em relação à crise em seu país.

“Por que seu país votou a favor de Assad no Conselho de Segurança?”, questinou-me um deles à queima-roupa, assim que entrei em sua tenda, equipada com internet e TV por satélite sintonizada na Al Jazeera. Ele se referia à votação no CS no ano passado, quando o Brasil ainda era membro do órgão e se absteve sobre uma resolução condenando a violência do regime Assad.

Wawi, o capitão desertor, sabia detalhes da biografia de Dilma Rousseff que só aumentaram sua decepção. “Ficamos felizes quando ela foi eleita, sabemos que lutou contra a ditadura. Por isso fica difícil entender porque não apoia a nossa revolução”, reclamou.

O desgosto lembra a reação dos rebeldes na Líbia com a proximidade do governo brasileiro com o regime de Muammar Gaddafi e a demora do Brasil em reconhecê-los. Até hoje o novo embaixador não assumiu a embaixada em Trípoli.

Na Síria, o clima é parecido. Quando estive em Damasco, em setembro do ano passado, jovens opositores da periferia de Damasco se preparavam para queimar uma bandeira do Brasil.

Mesmo os países que mais criticam Assad, como Turquia, França e EUA hesitam diante dos riscos de uma intervenção militar. Embora tenha elevado o tom das críticas à violação dos direitos humanos no país, o Brasil não tem intenção de fechar a embaixada na Síria e continua acreditando numa solução negociada para a crise.

O capitão rebelde se irrita. “Depois de tantos mortos pelo regime, é absurdo acreditar que a negociação ainda é possível”, diz Wawi.
Ele reitera que só uma intervenção militar porá fim à violência do regime e não se assusta com os riscos de uma interferência externa.

“A verdade é que já existe uma intervenção estrangeira na Síria. Irã e Rússia têm bases militares no país e o [grupo xiita libanês] Hizbollah atua livremente”, completa.

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Correndo em Jerusalém

Por Marcelo Ninio
16/03/12 13:27

Pacifista com as bandeiras israelense e palestina durante a maratona de Jerusalém (Foto: Ronen Zvulun/France Presse)

Jerusalém não é para iniciantes. O peso de séculos de história, a permanente tensão do conflito palestino-israelense, a intensa carga religiosa, tudo que faz dela uma das cidades mais fascinantes do mundo às vezes também cansa quem quer apenas uma vida normal.

Com alguma boa vontade, isso até é possível. Para surpresa de muitos, Jerusalém tem uma vida noturna razoável, bons cafés, bares e restaurantes e museus de primeira. Mas o mais interessante são os personagens únicos.

Outro dia vi numa das entradas da cidade velha um camelô vendendo cédulas iraquianas antigas, com a efígie de Saddam Hussein, junto de comprimidos de Viagra. Vai entender a relação… Outro vendedor se especializou em alugar cruzes em tamanho real para peregrinos que querem repetir o trajeto de Jesus Cristo na Via Crucis. Há também jovens judeus que se oferecem, por uma soma modesta, para rezar no Muro das Lamentações por aqueles que não tem tempo.

Isso sem falar no festival de figurinos das diversas comunidades étnicas e religiosas. Dos ultraortodoxos de chapéus de pele e robes acetinados, passando por árabes com típicas galabias e sacerdotes da Igreja Ortodoxa Etíope com seus turbantes e túnicas coloridas, o desfile é interminável.

Correr em Jerusalém também não é piquenique. Não é só pela política que a cidade vive de altos e baixos. Com ladeiras íngremes por toda a parte, é uma pedreira para ciclistas e corredores.

Por isso a Maratona Internacional de Jerusalém, que foi disputada hoje, representou um desafio mesmo para quem optou pelo trajeto mais curto, de 10 km, como o autor deste blog. Ao mesmo tempo, a corrida sintetizou o que é Jerusalém, com suas dificuldades e mistérios.

Conhecer uma cidade correndo é uma experiência única, quem corre sabe disso. Bem diferente de caminhar, pois permite uma interação com o ambiente e ao mesmo tempo um isolamento que só a corrida proporciona. Um “vácuo aconchegante”, como definiu o escritor japonês Haruki Murakami, um obcecado por corridas. Para mim, é como estar dentro de um filme e assisti-lo ao mesmo tempo.

Quando o cenário é rico como Jerusalém, o filme torna-se uma viagem inesquecível pela história. As ladeiras não pouparam os corredores, principalmente na entrada da cidade velha, mas percorrer as vielas antigas da cidadela compensou todo o esforço.

Mais de 15 mil corredores participaram da corrida, que por algumas horas deu um fôlego ao clima denso da cidade sagrada. Para não dizer que o conflito ficou de fora, palestinos queimaram camisas da Adidas em Gaza, em protesto contra o patrocínio da empresa esportiva alemã a uma maratona que incluiu no trajeto um trecho do lado ocupado por Israel.

Em tempo: a maratona completa foi vencida pelo queniano David Cherono Toniok com o tempo de 2:19:52. Na cidade do rei David, nada mais apropriado.

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Síria, Ruanda e a impotência do mundo

Por Marcelo Ninio
15/03/12 13:04

"Se vocês não nos ajudarem, seremos mortos", diz cartaz em protesto na Síria (Foto: AFP)

A revolta na Síria completa hoje um ano, o número de civis mortos pelas forças de segurança se aproxima rapidamente de 10 mil, e o mundo assiste, impotente.

Uma intervenção militar como a feita na Líbia é considerada inviável, dada a complexidade geopolítica e as dificuldades operacionais. A Síria não é a Líbia, repetem os que alertam para os riscos de uma intervenção, incluindo o Brasil.

De fato, as diferenças são muitas, a começar pela ausência de consenso internacional. No caso da Líbia, a Liga Árabe defendeu a intervenção e abriu caminho para que ela fosse aprovada no Conselho de Segurança da ONU. Agora, o órgão regional hesita em apoiar uma ação armada e o regime sírio conta com Rússia e China para vetar na ONU ações coercitivas, como sanções.

A resistência de alguns países, particularmente os BRICS (Brasil, Índia, Rússia, China e África do Sul), é explicada em parte pelo que ocorreu na Líbia, onde a intervenção liderada por França, Reino Unido e EUA excedeu o mandato original, de proteger a população civil, e na prática virou uma missão para mudar o regime.

Além disso, mesmo os países que defendem a saída do ditador sírio, Bashar Assad, reconhecem que uma intervenção na Síria seria infinitamente mais difícil. Se fosse simples, disse-me recentemente um diplomata europeu, já teria sido feita. O Exército de Assad é bem mais forte e coeso que o de Gaddafi e conta com artilharia antiaérea fornecida pela Rússia com capacidade para infligir sérias baixas na aviação inimiga.

Isso sem falar no risco de envolvimento do Irã, principal aliado de Assad, e de uma potencial guerra ampliada na região.

Para complicar tudo ainda mais, a fragmentação da oposição e as divisões sectárias da população síria tornam o cenário pós-Assad um mar de incerteza. A Síria não é a Líbia, mas pode virar o Iraque.

Tudo isso explica a relutância em lançar uma ofensiva contra o regime sírio, porém não justifica a falta de ação. Dezoito anos depois do massacre em Ruanda, a comunidade internacional ainda não tem instrumentos eficientes para proteger civis sem gerar excessos.

O consenso é importante para evitar ações unilaterais e abusos no uso da força, o perigo é que a demora em acançá-lo dê tempo e impunidade aos que cometem massacres.

Como escreveu há poucas semanas o ex-chanceler australiano Gareth Evans, um dos principais defensores da responsabilidade da comunidade internacional em intervir para proteger vidas, no caso da Síria, o consenso poderá vir tarde demais.

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Dilma e a ambição nuclear do Brasil

Por Marcelo Ninio
08/03/12 14:31

HANNOVER, ALEMANHA – Em sua visita a Hannover, a presidente Dilma Rousseff não se abalou com os protestos de ativistas nem com a indecisão da Alemanha sobre o prometido financiamento para a usina nuclear de Angra 3.

O Brasil irá fazer a usina, reiterou Dilma, “até porque já gastou muito dinheiro nisso”. E fez questão de frisar: “Não temos uma posição de demonização da energia nuclear.”

Foi um recado aos ativistas, mas em meio à escalada de tensão em torno do programa atômico iraniano, se encaixa também na posição do Brasil sobre o direito do país persa (e de qualquer outro) de desenvolver energia nuclear para fins pacíficos.

Ao contrário do Brasil, o assunto desperta intenso debate político na Alemanha. No ano passado, depois do tsunami que causou um vazamento radiotivo no Japão, o governo alemão anunciou que fechará todas as suas usinas nucleares até 2022.

Sob o governo Lula, o Brasil virou protagonista do debate sobre o Irã, costurando um acordo junto com a Turquia em 2010 que daria garantias ao mundo sobre o caráter pacífico do programa, como afirma o governo iraniano. O acordo não foi levado a sério pelas potências ocidentais, o que muitos hoje, inclusive nos EUA, consideram ter sido um erro.

Voltando ao Brasil, permanecem as indagações sobre a necessidade de construir Angra 3, prevista para entrar em funcionamento em 2016. Principalmente levando-se em conta que só 2% da energia consumida no Brasil é nuclear, como lembrou a própria Dilma em Hannover.

Ninguém acha que o Brasil precisa provar que seu programa atômico é pacífico. Mas o governo deve uma explicação mais convincente sobre a necessidade de um projeto que, além do custo, estimado em R$ 9 bilhões, implica em óbvios riscos ambientais, como mostrou a usina de Fukushima. Dizer que Angra 3 será construída porque já se gastou muito dinheiro nele não é suficiente.

A transparência é essencial, sobretudo numa área tão sensível. Alguns aspectos do programa nuclear brasileiro permanecem até hoje obscuros. Um exemplo é a colaboração do regime militar com o Iraque de Saddam Hussein nos anos 80. Alguns pesquisadores veem indícios de que o Brasil forneceu urânio ao Iraque com fins militares, o que foi negado pelos dois países.

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Um goleiro na linha de frente da revolta síria

Por Marcelo Ninio
02/03/12 13:17

ANTAKYA, TURQUIA – Tiros os sapatos e entro numa das tendas do campo de refugiados sírios de Boynuyogun, na fronteira com a Turquia. Quatro homens reunidos em torno de um aquecedor portátil assistem petrificados à TV Al Jazeera. Na tela, notícias sobre a repressão do regime contra a oposição em Homs, cidade que se tornou o maior foco da revolta contra o ditador Bashar Assad.

Em meio às cenas de tanques avançando rumo ao centro da cidade sitiada, uma imagem se destaca: num palco improvisado, um jovem grita palavras de ordem contra Assad, para delírio dos manifestantes. Numa revolução sem líderes aparentes, o destaque me chama a atenção. Pergunto quem é o jovem. Orgulhosos, os quatro respondem quase ao mesmo tempo: é Abdul Basit Sarut , goleiro da seleção síria sub-23.

No pôster erguido por manifestantes na periferia de Damasco, o goleiro revolucionário substitui a bola pela cabeça do ditador

Sarut virou ídolo entre os opositores assumindo uma posição antagônica à que tinha nos campos. Nos protestos, ocupa a linha de frente. A liderança lhe custou um preço alto. Seu irmão foi morto e ele próprio ficou ferido em uma das três tentativas de assassinato feitas pelas forças de Assad. Em agosto do ano passado, Sarut já havia incomodado o regime ao sair em defesa do goleiro da seleção principal, Mosab Balhous, preso após ser acusado de abrigar “gangues armadas”.

Em entrevista divulgada na internet logo após ser ferido, Sarut, de 20 anos, lamenta a passividade do mundo diante da crise na Síria e pede uma intervenção militar. O mesmo, aliás, que tenho ouvido de todos os refugiados.Nos contatos com os refugiados, o mundo da bola é um assunto quase inevitável. Os sírios adoram futebol e não é todo dia que aparece um brasileiro para conversar. Já adorado pela habilidade em campo, o argentino Messi conquistou de vez os opositores desde que anunciou uma doação para os feridos em Homs. “E o Ronaldo, não vai nos ajudar?”, me perguntam.

Futebol e protesto político tem uma ligação antiga nesta região dominada há décadas por ditaduras. Como mostrou a recente tragédia no estádio de Port Said, no Egito, onde 74 torcedores morreram numa briga de torcidas que acabou reacendendo os protestos contra a junta militar.

Em seu excelente blog “O turbulento mundo do futebol no Oriente Médio”, James Dorsey explica a ligação:

“Os estádios são um símbolo da batalha por liberdade política; oportunidade econômica; identidade étnica, religiosa e nacional; e direitos de gênero. Ao lado da mesquita, o estádio era, até a erupção da revolta árabe, no fim de 2010, o único espaço público alternativo para manifestação de ressentimento e frustração”.

Depois que as ruas se abriram para o protesto, o jovem goleiro sírio tirou as luvas e se juntou à torcida.

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De olho nos negócios, Brasil volta ao Iraque

Por Marcelo Ninio
01/03/12 06:05

ISTAMBUL – Um diplomata boa praça, ex-músico profissional e que dedicou seus últmos 15 anos de carreira ao Oriente Médio está prestes a encarar uma parada indigesta.

 Ánuar Nahes chega hoje a Bagdá como embaixador do Brasil no Iraque. Um posto que, na prática, estava vago desde a primeira Guerra do Golfo, em 1991. Oficialmente, o Brasil nunca fechou a embaixada, mas neste período de duas guerras ela foi administrada à distância. Agora, Nahes tem a incumbência de retomar as relações com um país que vive a transição entre a retirada das tropas americanas e um futuro incerto, enquanto ainda sofre violência sectária.

 Encontrei Nahes em Istambul, onde ele me falou sobre suas naturais preocupações com a segurança e a importância para o Brasil de ter um embaixador no segundo país mais importante do mundo árabe, depois do Egito. Um dia antes, uma explosão numa barreira militar havia estilhaçado as vidraças da nova embaixada.

 

Ánuar Nahes, novo embaixador do Brasil em Bagdá (FOTO: AGÊNCIA SENADO)

“Preocupação existe, mas você pode morrer atropelado atravessan­do a rua”, disse Nahes, com seu bom humor habitual.

Instalada num complexo de 2 mil metros quadrados fora da chamada Zona Verde, a área mais protegida de Bagdá e também mais visada pelos terroristas, a embaixada brasileira terá o aparato de segurança mais caro do Itamaraty, que ficará a cargo de soldados iraquianos e de uma empresa britânica especializada, Aegis.

Para Nahes, neto de sírios nascido no município paulista de Santa Adélia, que completa 60 anos em maio, as perspectivas de negócios milionários para empresas brasileiras em um país em reconstrução valem o custo e os riscos.

 “Um bom contrato já com­pensará todo o custo com se­gurança”, explica. Ele acresenta que, pela importância crescente do Brasil no cenário diplomático, não dá para ficar fora de um lugar “nevrálgico” para a política regional como Bagdá, onde já há quase 60 embaixadas estrangeiras. Até agora, a Venezuela era o único país latino-americano com representação diplomática no Iraque. 

 Verdade que a “parte do leão”, como Nahes chama os principais contratos, já foi abocanhada por empresas americanas. Mas o embaixador afirma que ainda há imensas possibilidades de lucro para os empresários brasileiros, principalmente no setor de construção e infraestrutura, além do alimentício.

 Muitas empresas brasileiras instaladas no golfo Persa, já demonstram interesse em investir no Iraque, mas traumas deixados por experiências amargas do passado sem dúvida as levarão a avaliar com cuidado o desafio. O principal problema, claro, é a segurança. Ainda está fresca na memória a tragédia do engenheiro João José de Vasconcellos Júnior, da construtora Odebrecht, morto em 2005 por terroristas perto da cidade de Baiji, a 180 km de Bagdá.

Além disso, ninguém esquece dos calotes dados por Saddam Hussein em empresas brasileiras. 

 Para Nahes, porém, o momento é outro e a tendência é que um Iraque pacificado tenha uma segurança jurídica que não tinha na época dos calotes. O momento escolhido para o retorno do embaixador brasileiro a Bagdá, três meses após a retirada americana, não é um acaso.

 “Claro, é calculado. Não iríamos apresentar credenciais num país ocupado”, diz o embaixador.

 

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O dilema do repórter de guerra

Por Marcelo Ninio
23/02/12 14:31

Marie Colvin, a lendária repórter de guerra morta ontem na Síria (FOTO: AFP/SUNDAY TIMES)

A pergunta sempre martela a cabeça de jornalistas envolvidos em coberturas de guerras e conflitos: até onde vale a pena correr riscos por uma reportagem?

Não há uma resposta exata. Coberturas como essas exigem a tomada de decisões difíceis e rápidas o tempo todo, e erros de cálculo são inevitáveis. Resta ao repórter confiar numa combinação de qualidades nem sempre tangíveis, que inclui feeling, experiência, bom senso, uma rede de informantes, além de grande dose de sorte.

Marie Colvin, a lendária repórter de guerra americana morta ontem aos 56 anos em um bombardeio do Exército na Síria, ao lado do fotógrafo francês Rémi Ochlik, tinha tudo isso de sobra.

Mesmo depois de perder um olho na explosão de uma granada no Sri Lanka, ela continuou firme na convicção de que valia a pena correr riscos para mostrar o sofrimento causado pelas guerras.

Assim como ela, acredito que o trabalho do jornalista no local dos conflitos é fundamental para alertar o público sobre as barbaridades que muitas vezes são praticadas em seu nome. E que, sem a presença da imprensa, seriam mantidas no nível esterilizado dos comunicados oficiais.

Peço licença ao leitor para ultrapassar o tamanho usual dos posts e publicar trechos que traduzi de um pronunciamento feito por Colvin em novembro de 2010, numa homenagema a colegas mortos no campo de batalha, em que ela explica a importância da reportagem de guerra. Este é o seu legado.

****** 

“Tenho sido correspondente de guerra a maior parte de minha carreira profissional. Sempre foi um difícil chamado. Mas a necessidade de reportagem objetiva e na linha de frente jamais foi tão imperativa.

Cobrir uma guerra significa ir a lugares dilacerados por caos, destruição e morte, e tentar ser testemunha. Significa tentar achar a verdade em um nevoeiro de propaganda quando Exércitos, tribos ou terroristas se chocam. E, sim, significa correr riscos, não só pessoais, mas pelas pessoas que trabalham perto de você.

Apesar dos vídeos do Ministério da Defesa ou do Pentágono, e toda a linguagem esterilizada que descreve bombas inteligentes e ataques cirúrgicos, a cena no local permanece a mesma há centenas de anos. Crateras. Casas incendiadas. Corpos mutilados. Mulheres chorando por filhos e maridos. Homens [chorando] por suas mulheres, mães e filhos.

Nossa missão é reportar esses horrores com exatidão e sem preconceito. Nós sempre devemos nos perguntar se o nível de risco vale a reportagem. O que é bravura e o que é bravata?

Jornalistas que cobrem combates carregam grandes responsabilidades e encaram decisões difíceis. Às vezes pagam o preço máximo. (…)

Nunca foi tão perigoso ser um correspondente de guerra, porque o jornalista na zona de combate torna-se um alvo.

Perdi meu olho numa emboscada na guerra civil do Sri Lanka. Eu tinha ido à área norte tamil, onde jornalistas haviam sido proibidos, e encontrei um desastre humano não relatado. Quando eu me infiltrava de volta na fronteira interna, um soldado atirou uma granada em mim e o estilhaço atingiu meu rosto e peito. Ele sabia o que estava fazendo. (…)

Muitos devem se perguntar: isso tudo compensa o preço em vidas, sofrimento e perda? Nós realmente podemos fazer a diferença?

Eu encarei essa questão quando fui ferida. De fato, um jornal publicou uma manchete questionando: ‘Desta vez Marie Colvin foi longe demais?’ Minha resposta, na época e hoje, é que valeu a pena. (…)

Hoje precisamos lembrar também da importância de órgãos de mídia continuarem a investir em nos nos enviar a um alto custo, tanto financeiro como emocional, para fazer reportagens.

Nós vamos a remotas zonas de guerra para reportar o que está acontecendo. O público tem o direito de saber o que nosso governo e nossas Forças Armadas estão fazendo em nosso nome. Nossa missão é falar a verdade ao poder. Nós mandamos para casa o primeiro rascunho bruto da história. Podemos fazer a diferença ao expor os horrores da guerra e, principalmente, a tragédia que se abate sobre a população civil. (…)

A cobertura de guerra mudou muito nos últimos anos. Agora nós vamos à guerra com um telefone via satélite, laptop, câmera de vídeo e colete à prova de balas. Eu aponto meu telefone para o sul no Afeganistão, aperto um botão e a reportagem foi enviada.

Em uma época de notícias 24 horas por dia, sete dias por semana, blogs e twitters, estamos sempre de prontidão onde quer que estejamos. Mas a reportagem de guerra ainda é essencialmente a mesma para quem quer estar no local e ver o que está acontecendo. Não dá para obter essa informação sem ir aos lugares em que as pessoas estão sendo baleadas e outras estão atirando em você. A maior dificuldade é ter fé suficiente na humanidade para acreditar que as pessoas, seja, governo, Exército ou o homem da rua, se importarão quando sua reportagem chegar à página do jornal, ao site de internet ou à tela da TV.

Nós temos fé porque acreditamos que fazemos uma diferença.”

 
 
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Tel Aviv em movimento

Por Marcelo Ninio
21/02/12 13:56
Por 13 votos a 7, o conselho municipal de Tel Aviv aprovou uma decisão que abre caminho para a circulação de ônibus na cidade durante o shabat, o descanso semanal judaico, que vai da noite de sexta à noite de sábado.
 
Perece trivial, mas na eterna disputa entre religiosos e laicos em Israel, é uma pequena revolução. 
 
Tem tudo a ver. Tel Aviv é a cidade mais cosmopolita de Israel, dominada por um estilo de vida hedonista, extrovertido e laico, de business, praia, cafés e vida noturna (até um animado baile de Carnaval rolou este ano). Em muita coisa, parece mais o Rio que a circunspecta Jerusalém.
 
Para o poderoso estabilishment religioso, porém, normalizar o transporte público em Tel Aviv no dia de descanso judaico abriria um precedente indesejável, que poderia ser seguido por outras cidades de maioria laica. 
 
O rabino-chefe de Tel Aviv, Israel Lau, reagiu com “dor e desapontamento”. Dramático, apelou ao prefeito de Tel Aviv, Ron Huldai, que não permita que “a vela de shabat se apague”.
 
De acordo com a interpretação dos judeus ortodoxos, andar de carro, ônibus ou qualquer transporte é uma atividade produtiva e, portanto, proibida no shabat, conforme consta nos Dez Mandamentos. Deserspeitar o mandamento, pensam, é ir contra a vontade de Deus.
  

Patinação em Tel Aviv, estilo livre: segundo pesquisa recente, 7% dos judeus israelenses se definem como ultraortodoxos (FOTO AP/Nati Harnik)

Apenas uma cidade de Israel, Haifa, tem transporte público no shabat, uma exceção ao status quo em vigor desde a fundação de Israel.
 
A origem do status quo é uma carta enviada em 1947 pelo fundador de Israel, David Ben Gurion, a líderes ultraortodoxos. Em troca de apoio para a formação de uma frente única na campanha para estabelecer o Estado judeu, Ben Gurion fez promessas que se mantem até hoje.
 
Entre elas, o reconhecimento do sábado como dia oficial de descanso, a garantia de exclusividade da lei religiosa em casamentos e divórcios e a autonomia para o sistema de educação dos ultraortodoxos. No mesmo espírito, mais tarde também seria dada isenção do serviço militar para estudantes de yeshiva (escolas religiosas).
 
O Estado foi fundado em 1948, mas muitos laicos consideram o acordo o maior erro cometido por Ben Gurion, porque discrimina parte da população e sabota um dos pilares da democracia, a separação total entre Estado e religião.
 
Para eles, o acordo deu origem a um mundo paralelo que gera abusos como o  ocorrido no fim do ano passado, quando uma menina de 8 anos foi hostilizada numa cidade perto de Jerusalém por não estar vestida nos rigorosos padrões de modéstia exigidos pelos ultraortodoxos.
 
Por enquanto, a decisão aprovada no conselho municipal de Tel Aviv é uma vitória apenas simbólica. Para entrar em vigor, ela precisa ser aprovada pelo governo do premiê Binyamin Netanyahu, onde a influência dos partidos religiosos tende a colocá-la de volta na gaveta.
 
Seus defensores, porém, não estão dispostos a dar trégua. “Os políticos precisam entender que não iremos para casa até que haja um ônibus que nos leve para lá”, provocou Mickey Gitzin, do grupo Israel Hofshit (Israel livre, em hebraico), que promove pluralismo e liberdade de religião no país.
 
Segundo uma ampla pesquisa divulgada recentemente,  80% dos judeus em Israel acreditam em Deus. 43% se consideram “laicos”, 32% “tradicionais”, 15% “religiosos” e  7% “ultraortodoxos”. Além disso, 59% são favoráveis à circulação de transporte público no shabat.
 
Mas o apoio da maioria não deve bastar para influenciar a decisão do governo em relação aos ônibus de Tel Aviv. Em 2012, o interesse político de manter o status quo de 1947 ainda é prioridade.
 
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O que mantém Assad no poder?

Por Marcelo Ninio
16/02/12 13:34

Rebelde sírio diante de oleoduto em chamas na cidade de Homs (AP)

A maioria dos analistas acha que a queda do regime sírio é questão de tempo. Mesmo se estiverem certos, fica aberta a questão-chave: quanto tempo? Um mês, um ano?  

De fato, o tempo não parece estar do lado de Assad. Os relatos de bombardeios de áreas civis em Homs nos últimos dias acelerou a atividade diplomática. Até a tradicionalmente inócua Liga Árabe partiu para a ofensiva. As estimativas por baixo da ONU falam em 5.400 civis mortos pelas forças de segurança em onze meses de revolta contra a ditadura de Bashar Assad, além de atrocidades que incluem tortura e estupros.

Dennis Ross, que até pouco tempo era o principal assessor de Barack Obama para o Oriente Médio, fez um raciocínio lógico ao avaliar que Assad será deposto.

“O fato é que ele está usando essa incrível coação e não está funcionando. Um regime que depende da coação, quando a coação não funciona, cedo ou tarde desaparece”, disse ele em entrevista ao jornal israelense “Haaretz”.

Ou nas palavras dos rebeldes que encontrei na Síria (palavras repetidas também na Líbia, Egito, Tunísia…),  “o medo acabou”. Fundamental, mas insuficiente.

Mesmo com a pressão crescente que vem sofrendo, e um isolamento como jamais viveu, o regime sírio ainda pode sobreviver por um bom tempo, e até (para horror de muitos), ficar no poder. Uma analista libanesa com contatos na alta cúpula política do país (cuja identidade mantenho em sigilo, para segurança dela) foi categórica em uma conversa que tivemos há poucos dias: “Pode escrever o que eu digo: Assad não cairá”.

É uma aposta que deve ser levada em conta tanto quanto a de Dennis Ross. E com a mesma cautela, já que previsões muitas vezes expressam o desejo de seus autores. Neste caso, Ross representa o interesse americano, que é o fim do regime Assad, mesmo receoso do que o substituirá. A analista libanesa teme uma perseguição às minorias caso Assad seja destronado, inclusive aos cristãos, como ela.

Desejos à parte, julgando apenas pelos fatos conhecidos, não é possível identificar sinais iminentes de que o regime esteja prestes a cair. Mas o que segura Assad no poder? Os principais fatores são:

1 – Resistência armada insuficiente: não há deserções em grande escala no Exército e nas demais forças de repressão. O chamado Exército Livre da Síria ainda é pequeno e possui apenas armas leves, incapazes de fazer frente ao poder de fogo de Assad. Por enquanto, é um Exército apenas no nome. Além disso, com o controle quase total do país ainda nas mãos do regime, falta aos desertores uma base de operação, como os rebeldes líbios conquistaram logo nos primeiros dias da revolução.

2 – Pilares do poder intactos: Assad não perdeu o apoio da elite política e econômica do país, mesmo com as sanções econômicas. Um golpe ou um assassinato cometido por alguém de seu círculo mais próximo não parecem estar no horizonte.

3 – Pressão externa sem dentes: por interesses econômicos e geopolíticos, Rússia e China bloqueiam uma escalada diplomática que poderia abrir caminho para uma ação como a que foi aprovada na ONU contra a Líbia. Os excessos cometidos na intervenção contra Gaddafi também mantém reticentes países como Brasil, Índia e África do Sul. Além disso, o Irã mantém ajuda logística e financeira que alivia os efeitos das sanções econômicas.

4 – Apoio interno: esta é a grande questão a que eu e todos os jornalistas que estiveram na Síria desde o início da revolta tentam responder. A conclusão, sem nenhum rigor científico, é que uma parte significativa da população ainda apóia Assad. Isso se dá por lealdade ou medo do que virá depois, sobretudo o domínio da Irmandade Muçulmana. Em recente viagem à Síria, o repórter Lorenzo Cremonesi, do jornal italiano “Corriere della Sera”, ouviu de analistas e jornalistas locais que a população está dividida quase meio a meio.

Por tudo isso, Assad pode ter mais tempo do que se supõe.

 

 

 

 

 

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Em trânsito

Por Marcelo Ninio
14/02/12 17:38

Bem-vindo, caro leitor.

O  título deste post de estréia tem várias razões. E não apenas o fato de ele ter começado a ser concebido quando eu estava em trânsito, voltando do Cairo. E tem isso: para quem não sabe, a capital do Egito é sinônimo de trânsito enlouquecedor, o pior que já vi. Difícil até para quem morou na Índia, como me admitiu o novo embaixador do Brasil no Egito, Marco Brandão, recém-chegado de Nova Délhi. E olha que o trânsito indiano, com as participações especiais do mundo animal, não é brincadeira…

Em trânsito está também este blog, que nasceu dentro do blog coletivo dos correspondentes da Folha e agora se torna independente, assim como todos os demais (os quais, aliás, recomendo).

A idéia é compartilhar meu olhar sobre o Oriente Médio, na condição de testemunha privilegiada de uma região inteira em trânsito.

No último ano, acompanhei de perto a Primavera Árabe, fiz reportagens para a Folha da Tunísia, onde tudo começou, da Líbia, do Egito, da Síria e da Jordânia. Entre uma viagem e outra, claro, Israel e os palestinos, que perderam o protagonismo habitual nas manchetes sobre o Oriente Médio, mas não o papel de personagens centrais na região.

Esta jornada continua. Experiências pessoais, bastidores, reflexões, curiosidades, análises, novos ângulos, e até, espero, boas notícias desta vizinhança conhecida pelos conflitos, mas que tem mais, muito mais: é o que planejo oferecer neste blog.

E já que estamos falando de olhar, abaixo vai um curtíssimo vídeo que fiz do amanhecer no centro do Cairo, um aperitivo do que virá adiante. À esquerda, o famoso museu egípcio, com sua inconfundível cor salmão. Ao fundo, atrás do smog matinal, a icônica praça Tahrir. E à direita, do outro lado do Nilo, o bairro de Zamalek, o preferido de diplomatas e dos jovens moderninhos. A sinfonia de buzinas é cortesia do trânsito do Cairo, sempre ele.

Seja bem-vindo,  leitor.


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