O profeta do apocalipse árabe
16/05/12 17:25ISTAMBUL – Faço uma parada forçada de algumas horas em Istambul a caminho do Cairo, onde acompanharei a imprevisível reta final da campanha presidencial no Egito.
A escala é involuntária, mas acabou sendo um ótimo trampolim para mergulhar nas questões mais intrigantes da primeira eleição para presidente desde a renúncia do ditador Hosni Mubarak: o novo Egito continuará secular ou dará uma guinada definitiva rumo ao Estado islâmico, arrastando toda a região junto? Um meio termo é possível, como no exaltado modelo de democracia islâmica da Turquia?
O embate final promete fortes emoções. Até alguns dias atrás, parecia certo que a disputa ficaria entre o secular Amr Moussa, ex-chanceler de Mubarak, e o islamita (relativamente) moderado Abdel Moneim Abol Fotouh. Mas a últimas pesquisas trouxeram uma surpresa. Agora, quem diria, o último premiê de Mubarak, Ahmed Shafiq, aparece forte no páreo.
Difícil prever o futuro do Egito, mas há quem o faça, e com cores soturnas. Entre um kebab e um café turco, leio o mais recente livro do jornalista britânico John Bradley “After the Arab Spring” (depois da primavera árabe, não publicado em português). Baseado nos dez anos que viveu no Egito, Bradley não tem dúvidas: o país dos faraós segue o mesmo roteiro do Irã, caminhando em direção à teocracia islâmica.
John Bradley talvez esteja sendo pessimista demais, mas ele tem credenciais para ser ouvido. Pelo que sei, foi o único analista a prever a revolta contra Mubarak, ainda em 2008, num livro que na época foi proibido de sair no país pelo ex-ditador. Se o economista Nuriel Roubini ficou famoso como “Dr. Apocalipse”, por ter previsto a crise financeira global, Bradley faz o papel de profeta das trevas do mundo árabe pós-primavera.
Antes de pegar o meu vôo para o Cairo, traduzo aqui um trecho de seu livro, em que Bradley explica o paralelo que faz entre a Revolução Islâmica do Irã e a revolta que derrubou Mubarak.
“A Revolução Iraniana de 1979 é sempre descrita, de forma imprecisa, como uma revolução islâmica, mas em seus estágios iniciais ela tem uma espantosa semelhança com o Egito de janeiro de 2011. As massas nas ruas foram atraídas de todos os setores da sociedade iraniana; a classe trabalhadora e a classe média, marxistas, antiimperialistas, feministas, reformistas de direita de dentro do sistema _ e, sim, também islamitas. No caos do Irã pós-revolucionário, as forças do aiatolá Khomeini emergiram como a oposição mais poderosa, disciplinada e bem organizada, e ele era o líder mais reverenciado e carismático. É por isso que suas hordas islamitas foram capazes eventualmente de triunfar, massacrando os rivais que, apenas meses antes, haviam colocado nelas sua confiança como companheiros de revolução. Independentemente de seu apoio minoritário, os islamitas no Egito tendem a ocupar o vácuo da mesma forma. Em seguida, eles irão impor sua agenda sobre a maioria, embora ainda exista motivos para esperança de que não o farão com o mesmo nível de violência tirânica e a brutalidade como ocorreu no caso do Irã”.
Não tenho tantas certezas como Bradley. As eleições presidenciais da próxima semana começarão a desvendar se o novo Egito está mais para a Turquia ou para o Irã. A partir de amanhã trarei relatos diários sobre esse momento crítico da mãe de todas as revoluções árabes aqui no blog e na versão impressa da Folha.