Marcelo NinioMarcelo Ninio http://marceloninio.blogfolha.uol.com.br No Oriente Médio Mon, 18 Nov 2013 13:30:43 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Do Oriente Médio ao Extremo Oriente http://marceloninio.blogfolha.uol.com.br/2013/03/03/do-oriente-medio-ao-extremo-oriente/ http://marceloninio.blogfolha.uol.com.br/2013/03/03/do-oriente-medio-ao-extremo-oriente/#comments Sun, 03 Mar 2013 10:00:29 +0000 http://marceloninio.blogfolha.uol.com.br/?p=1185 Continue lendo →]]> “Você deixa o Oriente Médio, mas o Oriente Médio não deixa você”, me disse um amigo na faixa de Gaza, com um sorriso sarcástico, ao saber que eu estava de partida, depois de três anos e pouco como correspondente da Folha na região. O sarcasmo, envolto na fumaça espessa do narguilé, estava na ambivalência da frase, mistura de benção e maldição. Na guerra e em outras situações extremas, revela-se o pior e o melhor do ser humano. 

Quando cheguei, no fim de 2009, se alguém dissesse que o mundo árabe seria sacudido por uma onda de revoluções, e que elas levariam ao fim de ditaduras que pareciam petrificadas no poder para sempre, provavelmente seria taxado de louco. Já foi o tempo em que profetas faziam sucesso por essas bandas. A Primavera Árabe pegou a todos de surpresa, a começar por sua origem, a Tunísia, até então um país mais conhecido pelas praias e o cuscus, o prato nacional, que pela relevância politica.

Os ventos da revolução logo chegariam ao Egito, este sim, reconhecidamente o país mais importante do mundo árabe, lançador de tendências em todas as áreas, berço cultural e ideológico. Depois, a Líbia de Muamar Gaddafi e a Síria, de Bashar Assad, onde as revoluções se transformaram em sangrentas guerras civis. Uma vez que o medo foi superado, não havia mais volta. Me espremi no meio da multidão na praça Tahrir, epicentro dos protestos do Egito, comi poeira no deserto líbio acompanhando o avanço errático dos rebeldes, fui à linha de frente da guerra síria em Aleppo, uma joia do Oriente Médio destroçada pela violência, tomei café com a família do ambulante cujo suicídio deflagrou a revolução na Tunísia. 

Desde o início, já fermentava a tensão entre o ideal de liberdade e democracia, que desencadeou os protestos, e ambição de radicais de aproveitar a chance para instalar Estados islâmicos. Apesar dos retrocessos ocorridos no Egito e na Tunísia, do caos da Líbia e da carnificina diária na Síria, é prematuro classificar a Primavera Árabe de fracasso. O êxito dos movimentos populares que derrubaram ditaduras sanguinárias é inegável. A instabilidade permanecerá por muito tempo, mas o processo está só no começo. Mantenho-me otimista, apesar de tudo, de que essa tensão acabará acabará criando sociedades mais justas, livres e igualitárias do que as que havia antes das revoluções.

Da minha base, em Jerusalém, acompanhei as revoluções espocarem em volta, enquanto israelenses e palestinos permaneciam num beco sem saída, distantes de uma solução para o conflito. Infelizmente, não há nenhum motivo para achar que isso está prestes a mudar.     

Despeço-me do Oriente Médio para encarar um desafio gigantesco: a China. Em breve faço minha estréia como correspondente da Folha em Pequim, uma mudança drástica de ares, um mergulho num outro tipo de revolução. “Coloquem seus filhos para aprender mandarim”,  disse o ex-presidente do Banco Mundial James Wolfensohn,  numa conferência em Jerusalém há alguns anos, ao ser solicitado a dar um conselho para as próximas décadas. A frase me marcou. Agora, terei a chance de viver e relatar, em primeira mão, esse futuro “Made in China”.

 

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As duas faces do Egito http://marceloninio.blogfolha.uol.com.br/2012/12/21/as-duas-faces-do-egito/ http://marceloninio.blogfolha.uol.com.br/2012/12/21/as-duas-faces-do-egito/#comments Fri, 21 Dec 2012 21:53:05 +0000 http://marceloninio.blogfolha.uol.com.br/?p=1142 Continue lendo →]]>

“Você apoia o projeto de Constituição?”: cédula do referendo no Egito (Foto: Marcelo Ninio)

A atual crise no Egito mostra que o país ainda tem um longo aprendizado sobre o que é democracia. Neste sábado, os egípcios voltam às ruas na segunda e última etapa do referendo sobre o controvertido referendo constitucional que acentuou as diferenças entre as duas faces do país, a liberal e a islamita. Em ambos os lados, fica clara a incompreensão das regras do jogo democrático. Muitos na oposição, liderada por liberais, esquerdistas, cristãos ou simplesmente aqueles que não aceitam a idéia de um governo da Irmandade Muçulmana, pedem a queda do presidente Mohamed Mursi, menos de seis meses depois de ele ter sido eleito. Uma vitória apertada, é verdade, mas legítima. Quando eu estive no Cairo durante a primeira fase da votação, fiquei com a impressão de que muitos opositores não tinham argumentos claros para votar não à Constituição defendida pelo governo. Não li e não gostei, era a mensagem. Para esses, o voto não era contra a Constituição, mas contra Mursi e a Irmandade Muçulmana.

 Mursi também não facilitou a vida de opositores que lhe haviam dado o benefício da dúvida após a sua vitória na eleição presidencial. Baixou decretos que lhe deram poderes acima do Judiciário, deflagrando a crise atual, e depois apressou a conclusão do projeto constitucional moldado por uma assembléia de maioria islamita, enfiando o referendo goela abaixo da oposição, que teve pouco tempo para se organizar.

O referendo constitucional é a quinta vez que os egípcios são convocados às urnas desde a deposição do ditador Hosni Mubarak, quase dois anos atrás. Há uma evidente fadiga e a conclusão de que democracia não é feita só de eleições. Não há diálogo. É uma crise de confiança: os islamitas acusam os opositores de maus perdedores, enquanto a oposição vê seus piores temores concretizados, de que a Irmandade Muçulmana usa os instrumentos democráticos (e outros menos) para instalar uma autocracia religiosa.

É quase certo que a Constituição proposta pelo governo será aprovada. A Irmandade Muçulmana é muito mais organizada e disciplinada e tem o apoio dos salafistas, os muçulmanos ultraconservadores. Mas a batalha está longe do fim. O próximo round será disputado já no começo do ano novo, quando o país terá outra eleição, mais uma, desta vez para formar um novo Parlamento. Uma votação crucial, já que a nova Constituição deixa amplo espaço para ajustes legislativos. Se a oposição aproveitar o raro momento de união produzido pela crise para se organizar em torno de um propósito claro, como não fez nas votações anteriores, poderá contrabalançar o poder dos islamitas. Não basta protestar. É preciso transformar a frustração em votos.  

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Vitória palestina, chance perdida de Israel http://marceloninio.blogfolha.uol.com.br/2012/11/29/vitoria-palestina-chance-perdida-de-israel/ http://marceloninio.blogfolha.uol.com.br/2012/11/29/vitoria-palestina-chance-perdida-de-israel/#comments Thu, 29 Nov 2012 12:03:11 +0000 http://marceloninio.blogfolha.uol.com.br/?p=1134 Continue lendo →]]> A data de hoje é histórica para Israel. Em 1947, a Assembléia Geral da ONU aprovou o plano de partilha da Palestina, que determinou a criação de dois Estados, um judeu e um árabe, e levou à fundação de Israel. A liderança árabe, dentro e fora da Palestina, rejeitou o plano. Alegou que a divisão era injusta, pois dava 55% aos judeus, reivindicou o direito a todo o território e declarou guerra. Uma chance histórica foi perdida e os palestinos pagam até hoje o preço pelo erro, hoje admitido por sua liderança. Em Israel,  o 29 de novembro virou nome de rua e um marco do triunfo sionista.

Exatos 65 anos depois, hoje é a vez de os israelenses desperdiçarem uma chance, ao rejeitar a iniciativa dos palestinos de pedir à ONU que eleve o seu status na organização, de entidade observadora para Estado observador não-membro. É bom lembrar que não se trata de reconhecer o Estado palestino; isso não se faz na ONU, mas entre países. Ainda assim, é uma vitória diplomática dos palestinos, que ganharão o aval da maioria esmagadora dos 193 membros da Assembléia Geral da ONU.

Em vez de se isolar junto com um minúsculo grupo que votará não (além dos EUA e Canadá, aliados permanentes, só Micronésia e Guatemala declararam o voto contrário), Israel poderia ter aproveitado para mostrar ao mundo que apoia a solução de dois Estados na prática, e não apenas na retórica de seu primeiro-ministro, Binyamin Neatanyahu.

“Derrota histórica”, foi a manchete de hoje no jornal mais popular de Israel, “Yediot Aharonot”. Com mais habilidade, porém, Israel poderia transformar a derrota em vitória, e não só uma vitória de relações públicas. Se a resolução que será votada hoje na ONU falar em um Estado palestino nas linhas de 1967, como prometem os palestinos, significa também um reconhecimento de Israel nesse limite geográfico, o que pode ser usado para legitimar os palestinos moderados. Mais ainda, enfraquecer os radicais que ainda sonham em estabelecer um Estado palestino em toda a área dividida pela ONU em 1947.

O governo israelense reclama, com razão, que a Assembléia da ONU tem uma maioria automática a favor dos palestinos, devido ao apoio de países islâmicos e os conchavos feitos com outros grupos regionais. O problema é que Israel também desenvolveu uma desconfiança automática à ONU e aos gestos palestinos, mesmo aqueles com potencial de conduzir à retomada do diálogo.

Exemplo: há cerca de um mês, o presidente palestino, Mahmoud Abbas, concedeu uma entrevista apaziguadora e corajosa à TV israelense. Abbas afirmou que não tem ambições de voltar à casa onde nasceu, em Tsfat (norte de Israel), e que para ele a Palestina é o território ocupado por Israel em 1967, que inclui a Cisjordânia e Gaza. O governo israelense desprezou a declaração histórica, acusando Abbas de interferência em sua campanha eleitoral. Pode até ser que Abbas tenha um discurso duplo, como diz Israel. Que estenda a mão para a paz quando fala em inglês e carregue na intransigência quando se dirige ao público árabe. Mas era uma boa chance de testar a sinceridade do presidente palestino ou mesmo desmascará-la, se fosse o caso. Israel preferiu ignorar.

Não quer dizer que a negociação com Abbas levaria a uma solução para o conflito. O presidente só governa metade do território palestino e não consegue nem chegar a uma reconciliação nacional com o grupo islâmico Hamas, que controla a faixa de Gaza. Abbas, que já estava sob pressão popular devido à crise econômica na Cisjordânia e ao desânimo com a estagnação do processo de paz, ficou ainda mais enfraquecido depois da miniguerra travada na semana passada em Gaza, da qual o Hamas saiu de moral elevado. Trata-se portanto, de um ato de sobrevivência política para Abbas. “Ou ele vai à ONU ou vai para casa”, resumiu um palestino.

Está claro que não é possível chegar ao fim do conflito sem que os palestinos façam um acordo entre eles. Acordo que, tanto em Gaza como na Cisjordânia, é hoje considerado missão impossível, diante do ressentimento mútuo e das profundas diferenças ideológicas entre o Hamas e o Fatah, o grupo secular liderado por Abbas. A divisão também sabota a iniciativa na ONU, já que ela se apresenta em nome de todos os palestinos enquanto é rejeitada pelo Hamas, que afinal chegou ao governo em eleições legítimas em 2006 (antes de consolidar seu poder com um golpe, um ano depois). Nada é simples, mas Israel poderia ao menos estimular a parte moderada da equação palestina se deixasse de lado a desconfiança automática e desse uma chance a Abbas.

Desde que entraram na ONU, em 1974, os palestinos são representados pela OLP (Organização para a Libertação da Palestina), da qual o Hamas não faz parte. A votação de hoje mudará o status de “entidade observadora” para “Estado observador não-membro”. Pouca coisa mudará na prática para os palestinos. Mas a diplomacia é feita de símbolos, e o apoio maciço da comunidade internacional pode dar a Abbas a confiança para retornar à mesa de negociações, mesmo sem ter atendida a condição de que Israel suspenda a construção nos assentamentos judaicos da Cisjordânia. Assim, quem sabe, o 29 de novembro também venha a ser nome de rua nas cidades palestinas.

 

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EUA e Israel, eleições cruzadas http://marceloninio.blogfolha.uol.com.br/2012/11/08/eua-e-israel-eleicoes-cruzadas/ http://marceloninio.blogfolha.uol.com.br/2012/11/08/eua-e-israel-eleicoes-cruzadas/#comments Thu, 08 Nov 2012 08:09:31 +0000 http://marceloninio.blogfolha.uol.com.br/?p=1103 Continue lendo →]]> A vitória de Barack Obama deve ter impacto direto nas eleições gerais em Israel, marcadas para 22 de janeiro.

Favorito para formar o novo governo, o premiê israelense, Binyamin Netanyahu, não escondeu a preferência pelo republicano Mitt Romney, amigo desde os anos 70, quando os dois trabalharam no mesmo escritório de consultoria financeira nos EUA. Agora, os rivais políticos de Bibi esperam usar a aposta errada para evitar sua reeleição.

Romney e Bibi, durante visita do republicano a Jerusalém em julho (Foto: Reuters)

Netanyahu emitiu uma nota protocolar, com parabéns a Obama e a convicção de que a histórica aliança não será alterada.  “A relação entre os EUA e Israel em assuntos de segurança é sólida como uma rocha e eu espero trabalhar com o presidente Obama para fortalecer nossa relação”, diz a mensagem do premiê.

O tom amistoso contrasta com o clima tenso que pairou entre os dois líderes nos últimos quatro anos. O estranhamento piorou na reta final da campanha americana, com a preferência de Netanyahu por Romney e suas duras críticas à recusa de Obama em dar um ultimato para conter o programa nuclear do Irã.

“Este não é um bom dia para o premiê Netanyahu”, alfinetou o ministro do Interior, Eli Yishai, do partido ultraortodoxo Shas. “Não deveríamos interferir em eleições de outros países”.

Com a reeleição de Obama, alguns analistas israelenses apostam que, no segundo mandato, o presidente americano fará um “acerto de contas”  com Netanyahu, exercendo mais pressão sobre Israel na questão palestina.

Além disso, há a expectativa de que a vitória do democrata nos EUA anime pesos pesados da oposição a entrar na campanha israelense, o que dificultaria a reeleição de Netanyahu.

Entre os possíveis “elementos surpresa” nessa bolsa de apostas fala-se no ex-premiê Ehud Olmert, caso ele se livre a tempo dos processos na Justiça por corrupção, na ex-chanceler Tzipi Livni e até no atual presidente Shimon Peres, do alto de seus 89 anos.

Já os palestinos, que não escondem sua decepção com o presidente americano, esperam que a liberdade do segundo mandato permita a Obama ser mais firme com Israel para tirar o processo de paz de sua longa paralisia.

Saeb Erekat, negociador-chefe da ANP (Autoridade Nacional Palestina), exortou Obama a agir contra os assentamentos judaicos na Cisjordânia ocupada e a apoiar a iniciativa de elevar o status da Palestina na ONU. No ano passado, o governo americano vetou uma resolução semelhante no Conselho de Segurança.

O atual governo israelense colocou as ambições nucleares do Irã no topo de suas preocupações e não é surpresa que o tema também tenha definido sua atitude em relação à disputa presidencial nos Estados Unidos. Por isso, a eleição israelense de janeiro está sendo encarada como um referendo sobre um ataque ao Irã.

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O Brasil é mais violento que o Oriente Médio http://marceloninio.blogfolha.uol.com.br/2012/10/30/o-brasil-e-mais-violento-que-o-oriente-medio/ http://marceloninio.blogfolha.uol.com.br/2012/10/30/o-brasil-e-mais-violento-que-o-oriente-medio/#comments Tue, 30 Oct 2012 10:04:21 +0000 http://marceloninio.blogfolha.uol.com.br/?p=1023 Continue lendo →]]> A violência no Brasil, persistente e indomável, é assustadora até para quem vive em áreas de guerra declarada.

Recentemente passei uma semana de férias no Brasil e, como sempre, a pergunta que mais ouvi foi: “Você não tem medo de morar no Oriente Médio?”.  Em seguida, quase no mesmo fôlego, me contavam sobre algum assalto, arrastão, sequestro, homicídio, ou alguma outra modalidade de crime que virou rotina no Brasil.  A quantidade de mortes violentas é comparável ou maior que em regiões de conflito. E o Oriente Médio é que é perigoso?

Em sua coluna de hoje na Folha, Clóvis Rossi chama a atenção para o problema com a argúcia habitual e o misto de indignação e espanto que o tema desperta. No Brasil, lembra Rossi, “inexistem os fatores agravantes”, étnicos, geopolíticos e religiosos, de um conflito como o do Afeganistão, “exceto uma clivagem social obscena. Mas, se dizem que ela está diminuindo, como explicar que não diminua também a violência, se valesse a teoria de que a criminalidade é decorrência predominantemente de fatores sociais?”

Os números falam por si. Segundo um estudo do Instituto Sangari, os homicídios no Brasil tiveram aumento de 259% nos últimos 30 anos anos, apesar da ascensão econômica do país. Em 2010 foram 49,9 mil homicídios. Para efeito de comparação, é menos que em um ano e oito meses de guerra civil sangrenta na Síria, que já deixou cerca de 30 mil mortos.

O descalabro brasileiro supera em vítimas os piores conflitos somados. De acordo com o estudo, a média anual de mortes por homicídio no Brasil é maior que a de vítimas de enfrentamentos armados no mundo. Entre 2004 e 2007, 169,5 mil pessoas morreram nos 12 maiores conflitos mundiais. No Brasil, o número de mortes por homicídio no mesmo período foi 192,8 mil.

Já fui a quase todas as capitais do Oriente Médio e nunca senti a insegurança das grandes cidades  brasileiras. Em nenhum país da região os motoristas andam sempre de janelas fechadas, como no Brasil. Vidros escurecidos nos carros, uma horrenda moda no Brasil, são inexistenses. Carros blindados são coisa para chefes de Estado e chefões da máfia.

Cobri guerras e estive em situações perigosas, mas é outro tipo de insegurança. Mesmo nas guerras civis, como na Líbia e na Síria, a linha de frente é de alguma forma delimitada. No Brasil, o front é onipresente.

Alguns dias antes de eu deixar o Brasil, um relato de arrepiar foi publicado por Eliane Catanhêde em sua coluna na Folha. Uma perseguição em alta velocidade, bandidos armados fazendo cavalo de pau na madrugada de Brasília, ameaças, tudo para roubar o carro da jornalista. Coisa de cinema, até para quem mora num lugar que virou sinônimo mundial de violência, a faixa de Gaza.

Na minha última visita a Gaza, um amigo veio me contar, visivelmente impressionado, sobre um filme brasileiro que tinha acabado de ver. Me encheu de perguntas, estava chocado com o nível de violência e queria saber se era verdade ou ficção. O filme era Tropa de Elite.  Expliquei como pude, sem botar panos quentes. Contei que a situação melhorara no Rio com as UPPs e mencionei como curiosidade que um dos pontos mais violentos da cidade, no Complexo da Maré, tinha o apelido de faixa de Gaza. O amigo ficou indignado…

O jornalista local que me ajudou na produção das reportagens em Gaza, circulava com um reluzente Rolex no pulso, que garantia ser verdadeiro. No Brasil alguém tem coragem?

Jerusalém, o epicentro do conflito israelense-palestino, é hoje uma das cidades mais seguras que conheço. É possível andar na rua a qualquer hora sem medo de assalto. O mesmo em Beirute, famosa pela guerra civil e, no passado mais recente, pelos carros-bomba. No Cairo, onde a segurança piorou depois da revolução, com a debandada da polícia, ainda fico muito mais tranquilo caminhando pelas ruas de madrugada do que no Rio ou São Paulo.

 No Rio, onde todos me dizem que a situação melhorou, peguei um táxi na zona sul e o motorista não tinha troco para uma nota de R$ 50. A explicação: com medo de assalto, prefere não andar com muito dinheiro. A que ponto chegamos.

Não tenho nenhuma intenção de glorificar o Oriente Médio, uma região cheia de irracionalidade e violência sem sentido: tensões sectárias, intolerância religiosa, extremismos e divisões tribais. Disso estamos livres, felizmente.  Mas bem que eu gostaria de poder abrir a janela do carro quando estou no Rio ou em São Paulo.

 

 

 

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O governo Dilma e o Brasil no Oriente Médio http://marceloninio.blogfolha.uol.com.br/2012/10/23/o-governo-dilma-e-o-brasil-no-oriente-medio/ http://marceloninio.blogfolha.uol.com.br/2012/10/23/o-governo-dilma-e-o-brasil-no-oriente-medio/#comments Tue, 23 Oct 2012 23:49:29 +0000 http://marceloninio.blogfolha.uol.com.br/?p=1058 Continue lendo →]]>

O chanceler Patriota a caminho de depositar uma coroa de flores no túmulo de Yasser Arafat, em Ramallah

 

O ministro Antonio Patriota, que na semana passada fez sua primeira visita a Israel e à Palestina como chanceler, considerou “irrelevante” uma pergunta que fiz sobre o papel do Brasil no conflito.

Eu quis saber se o Brasil mantinha o mesmo nível de ambição demonstrado pelo governo Lula, que se ofereceu como mediador do conflito israelense-palestino e costurou um acordo, rejeitado pelas potências, sobre o programa nuclear iraniano. Minha dúvida era baseada na expectativa entre palestinos e israelenses que cercou a visita de Patriota. 

A julgar pelas palavras do ministro e por conversas com outros diplomatas que tive durante a semana, concluo que o governo Dilma não tem o ímpeto de mergulhar no mar bravio dos conflitos do Oriente Médio demonstrado por seu antecessor. Há outras prioridades e o estilo Patriota é bem mais cauteloso. Sobretudo depois do tsunami causado pela Primvera Árabe, que começou praticamente junto com o governo Dilma.

Reproduzo a seguir a resposta do chanceler e deixo ao leitor a conclusão:

“A gente constrói em cima de uma base. O governo Lula ampliou muito a nossa base de atuação internacional. Para dar um exemplo: o escritório de representação do Brasil em Ramallah foi criado durante o governo Lula. Outras embaixadas na região também. O reconhecimento da Palestina como Estado foi determinado em dezembro de 2010, o último mês do governo Lula. Estamos trabalhando em cima dessas realizações, dos contatos estabelecidos, da confiança conquistada. A expectativa dos palestinos em relação ao Brasil é enorme, em função de todos esses laços. Queria também lembrar que eu tenho mantido contato com o setor privado e com a sociedade civil palestina-árabe e judia no Brasil e em outros países (…). Tudo isso vai somando e permitindo que o Brasil entenda melhor a complexidade e possa dar uma contribuição no sentido da mobilização política. Os contornos do que poderá ser um acordo já são conhecidos, já foram explorados e não creio que essa discussão comporte idéias revolucionárias. A pergunta sobre o nível de ambição não é importante. O importante é manter os contatos. O nível de ambição é uma abstração. Nós vamos trabalhar pela paz e tentar corresponder a essa expectativa com os instrumentos de que dispomos.”

 

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Turquia, entre tambores de guerra e Alex de Souza http://marceloninio.blogfolha.uol.com.br/2012/10/09/turquia-entre-tambores-de-guerra-e-alex-de-souza/ http://marceloninio.blogfolha.uol.com.br/2012/10/09/turquia-entre-tambores-de-guerra-e-alex-de-souza/#comments Tue, 09 Oct 2012 15:34:46 +0000 http://marceloninio.blogfolha.uol.com.br/?p=1045 Continue lendo →]]>  

Erdogan recebe de Alex uma camisa do Fenerbahce com seu nome, em encontro no ano passado (Foto: Associated Press)

 

A Turquia ficou a um passo de entrar na guerra civil na Síria, sua artilharia bombardeia há uma semana alvos militares no país vizinho e o perigo de um confronto estremece a região.

Ainda assim, o premiê Recep Tayyip Erdogan achou tempo e telefonou para o jogador brasileiro Alex. O premiê ligou para pedir ao craque paranaense que volte atrás da decisão de deixar o Fenerbahce e a Turquia, depois de oito anos vestindo a camisa azul-amarela do time mais popular do país.

 Na manchete do jornal “Hurriyet”, Erdogan “implorou” a Alex que fique na Turquia, em mais uma demonstração do incrível prestígio conquistado pelo brasileiro. O premiê tem fama de durão, difícil imaginá-lo implorando qualquer coisa…

Se o desentendimento com o Fenerbahce não puder mesmo ser resolvido, sugeriu Erdogan, que o ex-jogador de Palmeiras e Cruzeiro vista a camisa do Kasımpasa, um time modesto de Istambul que, desde a fundação, em 1921, passou a maior parte de sua história na segunda divisão do futebol turco. Erdogan nunca escondeu a admiração por Alex, mas a proposta também revela uma paixão clubística: o premiê jogou no Kasimpasa quando era jovem e hoje o estádio do time tem seu nome.
 
Alex rejeitou educadamente a sugestão. Parece que está mesmo decidido a voltar para o Brasil. Mas o fato de Erdogan ter ligado para ele ilustra a comoção que tomou conta do futebol turco desde que Alex anunciou sua partida. Já falei aqui no blog sobre a enorme popularidade do futebol brasileiro no Oriente Médio, mas acho que nenhum nome é tão forte como o de Alex é na Turquia.

No ano passado Erdogan chegou a oferecer a cidadania turca a Alex, que recusou depois de ser aconselhado pelo consulado brasileiro em Istambul de que a legislação do Brasil não permite a dupla cidadania. O episódio criou uma saia justa para o chanceler Antonio Patriota, que por coincidência desembarcou em Istambul naquela época e foi bombardeado por perguntas de jornalistas locais, inconformados com o suposto veto brasileiro que impediu o craque de assumir a cidadania turca. 

“Alex de Souza”, como ele é conhecido no país, virou uma celebridade nacional como capitão e líder do Fenerbahce. Na semana passada, depois que o meia anunciou que sairia do time por desentendimentos com o treinador, centenas de torcedores foram a sua casa implorar, como fez Erdogan, que ele mudasse de idéia. Há menos de um mês, o clube inaugurou uma estátua do jogador em frente a seu estádio, no lado asiático de Istambul.

A trajetória do meia até virar lenda incluiu três conquistas do Campeonato Turco, duas Supercopas e uma Copa da Turquia. Segundo o site pessoal de Alex, “o camisa 10 é o segundo maior artilheiro do clube na liga nacional, com 136 gols em 242 partidas. No total, o brasileiro tem 184 gols em 374 jogos”.

Numa concorrida entrevista coletiva nesta segunda, transmitida ao vivo pela TV turca, Alex disse que nunca chorou tanto quanto na última semana e assumiu alguns erros que levaram ao rompimento com os “canários amarelos”, apelido do Fenerbahce. O maior deles foi exagerar no uso do Twitter, onde postou críticas ao treinador do time, Aykut Kocaman.

Alex sai, mas sua popularidade ficará gravada na lembrança dos torcedores e eternizada pela estátua em sua homenagem.

 

 

 

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Greve na "oposição" israelense http://marceloninio.blogfolha.uol.com.br/2012/10/04/greve-na-oposicao-israelense/ http://marceloninio.blogfolha.uol.com.br/2012/10/04/greve-na-oposicao-israelense/#comments Thu, 04 Oct 2012 16:18:04 +0000 http://marceloninio.blogfolha.uol.com.br/?p=1038 Continue lendo →]]>  

Logo do “Haaretz” (o país, em hebraico)

 

Pela primeira vez em 30 anos, o jornal israelense “Haaretz” não foi publicado hoje. Uma greve de um dia foi declarada em protesto contra a decisão da direção do jornal de demitir um quarto dos cerca de 400 funcionários do jornal. É mais um capítulo da grave crise vivida pelos jornais israelenses. O tradicional “Maariv”, um dos três jornais mais importantes do país, estava prestes a ser fechado até ser vendido recentemente para dono de uma publicação de direita, o “Makor Rishon”. Mesmo assim, não deve escapar de demissões em massa.

A luta pela sobrevivência dos jornais israelenses num mundo cada vez mais digitalizado se agravou com a entrada em cena, há alguns anos, do diário “Israel Hayom” (Israel hoje). Distribuído gratuitamente, o jornal é financiado pelo magnata americano dos cassinos Sheldon Adelson,  um dos maiores doadores do candidato republicano Mitt Romney e alinhado com o premiê israelense, Binyamin Netanyahu.

A crise dos jornais não é exclusividade de Israel, claro. Mas a ameaça que paira sobre o “Haaretz” tem uma dimensão muito além do drama pessoal dos funcionários demitidos. Nos últimos anos, com o enfraquecimento da esquerda, o jornal liberal fundado em 1919 tornou-se a única oposição de peso em Israel.

Embora tenha tiragem acanhada, sua influência é enorme e foi ampliada a níveis globais com o advento de sua excelente edição em inglês, há uma década. O perigo que significaria o desaparecimento do “Haaretz” foi ressaltado por Gideon Levy, um de seus mais conhecidos colunistas, que foi contra a greve.  

“Estamos brincando com fogo. O mais importante é que o jornal continue existindo”, disse.

 Levy se refere ao golpe que a democracia israelense sofreria sem o seu jornal mais combativo. Mas seria também um desastre para quem ainda acredita que é possível produzir informação e análises de qualidade na era do jornalismo fast food. Ideologias à parte, o “Haaretz” é um senhor jornal.

 

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O islã e a Primavera Árabe http://marceloninio.blogfolha.uol.com.br/2012/09/24/o-isla-e-a-primavera-arabe/ http://marceloninio.blogfolha.uol.com.br/2012/09/24/o-isla-e-a-primavera-arabe/#comments Mon, 24 Sep 2012 18:27:11 +0000 http://marceloninio.blogfolha.uol.com.br/?p=1026 Continue lendo →]]> A onda de protestos anti-Ocidente que sacudiu o mundo islâmico nos últimos dias levou alguns profetas do caos a se vangloriar, por supostamente terem previsto que a queda de ditadores árabes não passou de uma maquinação do islã radical. Não foi.

Apesar de cada país ter características próprias, que definiram os rumos das revoltas, a Primavera Árabe na Tunísia, no Egito, na Líbia e na Síria teve uma gênese comum: o protesto popular e espontâneo contra décadas de tirania e desigualdade.

O elemento religioso sempre esteve presente, como em tudo no mundo árabe, mas não foi o motor das revoltas. O islã político não começou a Primavera Árabe, pegou carona no movimento e saiu ganhando onde era mais organizado, como nas eleições do Egito e da Tunísia. O fato de os protestos geralmente começarem em mesquitas não significa que eram necessariamente religiosos, mas que os templos eram o únicos locais onde reuniões eram toleradas pelas ditaduras. Depois, claro, essa logística e os anos de ativismo semiclandestino ajudou a propagar a mensagem religiosa, aumentando o teor de islamização dos levantes.

Partidos islamitas chegaram ao poder na Tunísia e no Egito com um discurso moderado, prometendo manter a abertura ao Ocidente e o respeito às liberdades civis, tendo o islã como “referência”. Nos dois países, porém, as revoltas liberaram forças salafistas que estavam reprimidas durante os anos de ditadura. Elas agora representam um teste importante para esses governos islamitas moderados, que terão que impor limites aos radicais para proteger o Estado. Terão, de alguma forma, que definir as fronteiras entre Estado e religião, que no islã se confundem.

O tosco e islamofóbico filme “A inocência dos muçulmanos”, produzido nos EUA, foi a faísca usada pela minoria salafista para incendiar as ruas e ganhar espaço político. O sentimento antiamericano predominante no mundo islâmico ajudou a acender a fogueira.  A disputa é política, mas ocorre em torno da narrativa islâmica. O objetivo dos salafistas é “se apresentar como a única e exclusiva corrente islâmica”, me disse em entrevista o pensador islâmico Tariq Ramadan, que acaba de lançar um livro chamado justamente de “O Islã e o Despertar Árabe”.

É, repito, uma minoria. Conversei com jovens que participaram dos protestos pró-democracia no Egito, na Tunísia e na Líbia, e todos estavam envergonhados e furiosos com os excessos cometidos nos protestos antiamericanos. A Primavera Árabe continua.

Ao tornar-se político, utilizando os mecanismos da democracia para chegar ao poder, o islã passou a ser vitrine. Diante disso, os islamitas moderados terão que desenvolver e impor uma tolerância maior. Se realmente acreditam no que prometeram em suas campanhas, a fusão entre modernidade e islã, precisam deixar de lado a vitimização e abraçar o pluralismo, como na Turquia.

Roger Cohen, o inspirado colunista do “New York Times”, definiu a encruzilhada com perfeição: “O mundo muçulmano não pode ter os dois. Não pode colocar o islã no centro de sua vida política e ao mesmo tempo declarar a religião fora dos limites da contestação e do ridículo”.

 

 

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Viagem ao centro da guerra http://marceloninio.blogfolha.uol.com.br/2012/08/10/viagem-ao-centro-da-guerra/ http://marceloninio.blogfolha.uol.com.br/2012/08/10/viagem-ao-centro-da-guerra/#respond Fri, 10 Aug 2012 16:29:53 +0000 http://marceloninio.blogfolha.uol.com.br/?p=906 Continue lendo →]]> “Um tempo entre cinzas e rosas está chegando. Quando tudo será extinto. Quando tudo deverá começar.” Os versos são do maior poeta sírio, Adonis. Escritos na década de 70, em um contexto totalmente diferente do atual, expõem uma esperança soturna que senti nos dez dias em que acompanhei, em Aleppo, a linha de frente da guerra civil síria.

Sem mais, compartilho aqui algumas imagens que fiz nesta incursão ao coração do conflito. Prometo mais palavras sobre a Síria nos próximos posts.

Sereia, espada, granada e fuzil: rebelde sírio em Aleppo

Crianças brincam em tanque destruído em Aleppo

Moradores de Tal Rafat, norte da Síria, durante funeral de rebeldes

 

 

Bairro de Salahadin, linha de frente da guerra em Aleppo

Barreira rebelde numa das portas da cidade antiga de Aleppo

A onipresente camisa da seleção em posto de gasolina improvisado. Os preços dos combustíveis ficaram seis vezes mais caros nas últimas 3 semanas

Soldados sírios capturados pelos rebeldes em Al Bab, no norte

Comerciante tenta salvar alguma coisa após bombardeio em Aleppo

Funeral de rebelde em Tal Rafat

“Che Guevara” islâmico: rebelde sírio em El Bab, norte

Fã do Milan em protesto contra o regime no vilarejo de Marea

 

 

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