As duas faces do Egito
21/12/12 19:53A atual crise no Egito mostra que o país ainda tem um longo aprendizado sobre o que é democracia. Neste sábado, os egípcios voltam às ruas na segunda e última etapa do referendo sobre o controvertido referendo constitucional que acentuou as diferenças entre as duas faces do país, a liberal e a islamita. Em ambos os lados, fica clara a incompreensão das regras do jogo democrático. Muitos na oposição, liderada por liberais, esquerdistas, cristãos ou simplesmente aqueles que não aceitam a idéia de um governo da Irmandade Muçulmana, pedem a queda do presidente Mohamed Mursi, menos de seis meses depois de ele ter sido eleito. Uma vitória apertada, é verdade, mas legítima. Quando eu estive no Cairo durante a primeira fase da votação, fiquei com a impressão de que muitos opositores não tinham argumentos claros para votar não à Constituição defendida pelo governo. Não li e não gostei, era a mensagem. Para esses, o voto não era contra a Constituição, mas contra Mursi e a Irmandade Muçulmana.
Mursi também não facilitou a vida de opositores que lhe haviam dado o benefício da dúvida após a sua vitória na eleição presidencial. Baixou decretos que lhe deram poderes acima do Judiciário, deflagrando a crise atual, e depois apressou a conclusão do projeto constitucional moldado por uma assembléia de maioria islamita, enfiando o referendo goela abaixo da oposição, que teve pouco tempo para se organizar.
O referendo constitucional é a quinta vez que os egípcios são convocados às urnas desde a deposição do ditador Hosni Mubarak, quase dois anos atrás. Há uma evidente fadiga e a conclusão de que democracia não é feita só de eleições. Não há diálogo. É uma crise de confiança: os islamitas acusam os opositores de maus perdedores, enquanto a oposição vê seus piores temores concretizados, de que a Irmandade Muçulmana usa os instrumentos democráticos (e outros menos) para instalar uma autocracia religiosa.
É quase certo que a Constituição proposta pelo governo será aprovada. A Irmandade Muçulmana é muito mais organizada e disciplinada e tem o apoio dos salafistas, os muçulmanos ultraconservadores. Mas a batalha está longe do fim. O próximo round será disputado já no começo do ano novo, quando o país terá outra eleição, mais uma, desta vez para formar um novo Parlamento. Uma votação crucial, já que a nova Constituição deixa amplo espaço para ajustes legislativos. Se a oposição aproveitar o raro momento de união produzido pela crise para se organizar em torno de um propósito claro, como não fez nas votações anteriores, poderá contrabalançar o poder dos islamitas. Não basta protestar. É preciso transformar a frustração em votos.
Enquanto houver fanático religioso matando em nome de Deus, não haverá paz entre os homens; para haver guerra sangrenta acompanhando livros que se dizem sagrados, o ateismo é a solução.
Os egípcios estão longe de entender o significado do que seja democracia, mas o Egito não é o Afeganistão. Mursi que se cuide muito bem e saiba construir um consenso entre o governo e a oposição até mesmo para ampliar o apoio popular, ou não governará de jeito nenhum.