Crise e xenofobia no Egito
23/06/12 18:43CAIRO – Aconteceu três vezes comigo nos últimos dias. Conversava com egípcios nas ruas do Cairo sobre a crise política no país quando fui acusado de ser um espião. Nada de muito incomum no mundo árabe, onde há uma longa tradição de atribuir todos os males ao Ocidente. No Egito, porém, eu jamais havia vivido isso. Verdade seja dita, logo apareceu alguém para espantar o paranóico e me defender.
Paranóias à parte, eles tem certa razão histórica para desconfiar das “boas intenções” das superpotências, vamos combinar. Mas nada justifica a xenofobia, que é a única definição que encontro para chamar um estrangeiro, só por ser estrangeiro, de espião.
Só depois fui saber de um anúncio transmitido pela TV estatal que promove abertamente a desconfiança. Um estrangeiro entra num café, começa a bater papo com um grupo de egípcios e ouve queixas sobre os problemas do país. Em seguida o forasteiro aparece mandando uma mensagem no celular. Ao fundo, uma voz cavernosa alerta: “Cuidado com o que você diz. Uma palavra pode salvar a nação”. Veja o anúncio:
O terreno anda fértil para plantar paranóias. Egito viveu a semana mais instável desde a queda de Hosni Mubarak, há quase um ano e meio, numa série de reviravoltas que deixou o país à beira de um ataque de nervos.
Primeiro, o Parlamento é dissolvido e a Junta Militar amplia seus poderes por decreto. Depois, Mubarak é anunciado morto pela agência estatal de notícias e logo depois “ressuscita”. Os dois finalistas da eleição presidencial, o islamita Mohamed Mursi e o general da reserva Ahmed Shafiq, se declaram vencedores. O resultado oficial da votação é adiado, alimentando suspeitas de fraude a favor do candidato preferido dos militares.
A comissão promete anunciar finalmente o novo presidente neste domingo. O suspense termina, a tensão continua. A divisão entre os egípcios é tão grande que a única certeza é que a instabilidade ainda deve se prolongar por muito tempo.
Comigo aconteceu algo parecido quando andava pelas ruas do Cairo há muitos anos atras. Na época tinha o cabelo bem curto e de repente um árabe me perguntou “americani ?”. Eu respondi: “no”.
Então ele disse “almani ?”. Eu respondi: Yes.
Éle respondeu então “friend”. Eu ja sabia desse preconceito antes de que eles não gostam de americanos, mas preferem os alemães, então entrei nessa.
Na época morava na Europa e tive uma dificuldade enorme de conseguir um visto de entrada no Egito. E quando cheguei no aeroporto do Cairo, o cara viu meu passaporte do Brasil e disse “Pelé”. Então eu respondi “my friend” e ele disse “go” sem nem abrir meu passaporte.
Acontecem coisas realmente incriveis quando se viaja por aí.