Futuro sombrio na Síria
29/05/12 19:38
Hamadiya, a principal rua comercial de Damasco, passou o dia de portas fechadas. Assombrada por rumores e tomada pelo medo, como o resto da Síria. No coração do bazar mais famoso da Síria, as primeiras notícias eram de uma greve de comerciantes sunitas contra o regime, em solidariedade com as vítimas do pavoroso massacre de Houla, que deixou 108 mortos, sendo 49 crianças.
Uma ação de desobediência civil dessa magnitude no centro da capital e iniciada por comerciantes, tidos até agora como um dos pilares de apoio ao ditador Bashar Assad, seria um sinal significativo de que a maré poderia estar virando contra o regime, depois de 14 meses de revolta.
Hoje, conversando com um conhecido de Damasco, ouvi outra versão. Alguns comerciantes teriam fechado as portas sob a ameaça dos fuzis de “gangues” da oposição, que os forçaram a entrar em greve contra o regime. “Rumores se espalham como pólvora na Síria, e sempre acabam distorcendo a realidade”, disse ele, pedindo para não ser identificado por motivos óbvios. “Um boato começa de um lado da Hamadiya e quando chega no outro lado já é totalmente diferente”.
Se as notícias mudam de um lado a outro de uma única rua da Síria, imagine a dificuldade de separar fatos de versões nos relatos que atravessam a fronteira até a mídia estrangeira.
Seja qual for o motivo, o fechamento do bazar de Damasco mostra a guerra civil no coração da capital síria, que por meses manteve-se relativamente imune ao ciclo de violência iniciado em março do ano passado. Quando estive na cidade em setembro, o bazar ainda lembrava seu vibrante ritmo habitual, mesmo com várias regiões do país acumulando mortos à sangrenta estatística diária. Quase não havia turistas, os únicos estrangeiros que vi foram peregrinos iranianos. Mas o vai e vem continuava nas lojas e uma confeitaria no meio do bazar, que serve um dos melhores sorvetes que já provei na região, tinha fila na porta.
Isso mudou drasticamente. Mais até que os carros-bomba que explodiram na cidade nos últimos meses, o zumbido de informação/desinformação na capital mostra o clima de paranóia que vivem os sírios, permeado pelo medo do que está por vir.
Para o sírio comum, nenhuma solução parece boa. Mesmo os que se opõem a Assad estão cada vez mais convencidos de que se ele deixar o poder o vácuo criado aumentará ainda mais o caos. É por isso que não dá para levar muito a sério a proposta de se adotar o “modelo iemenita”, ventilada pelo governo americano há poucos dias. A saída negociada do ditador Ali Abdullah Saleh, que passou o poder ao vice, não apaziguou o Iêmen, como mostra o atentado que matou quase cem soldados na semana passada na capital e o crescente separatismo.
Saleh só aceitou o plano depois de um ano de repressão à versão iemenita da Primavera Árabe e de quase morrer num ataque ao palácio presidencial. Na Síria, já foi derramado sangue demais para uma solução negociada. Os rebeldes prometem lutar até a queda do regime. O que começou como um levante pacífico se transformou num guerra civil sectária que deve continuar por muito tempo. Com ou sem Assad.
Tanques do Exército bombardeiam áreas residenciais e as temidas milícias leais ao regime, conhecidas como “shabiha” (fantasma, em árabe), fazem o trabalho mais sujo para Assad, massacrando famílias inteiras. Foi o que aparentemente aconteceu em Houla, um vilarejo sunita cercado por outros de maioria alauíta, a seita minoritária à qual pertence o ditador e boa parte da elite militar síria.
Movidos pela sede de vingança e encorajados por líderes religiosos, alguns baseados na Arábia Saudita, rebeldes sunitas se lançam em missões de vingança. Incapazes de enfrentar de igual para igual o governo, qualquer alauíta vira alvo.
Uma professora de inglês alauíta de Damasco me contou que seu tio e dois primos foram sequestrados e mortos por rebeldes. Há muitos outros relatos parecidos. O pior cenário, de uma repetição do sangrento caos sectário do Iraque, está se materializando diante dos olhos impotentes do mundo.
O incerto futuro sem Assad e a perspectiva de uma longa e custosa ofensiva para superar a massiva defesa antiaérea síria não animam as potências ocidentais a repetir uma intervenção como a da Líbia. O anúncio da expulsão, nesta terça-feira, de embaixadores sírios de dez países, entre eles Estados Unidos, França, Alemanha e Reino Unido, muda pouco a situação para Assad. E ressalta impotência desses países diante da carnificina na Síria.
Siria infelizmente um barril de polvora, um pais tão maravilhoso mergulhado nessa carnificina, onde a população paga o preço mais alto!
Com Assad não é bom, com os americanos e OTAN bombardeando o país também não deve ser bom!
Os povo deve mudar ( não essa guerrilha comandado por terceiros ) mudar com eleições, próprios sirios decidindo e não os americanos, russia…
Pior do que está não tem jeito. Como dizia Mao Se Tung: “Toda grande caminhada começa com o primeiro passo”, que seria a saída imediata do ditador Assad.
Caro Marcelo, ao que parece a família Assad foi longe demais. Essas pessoas têm perdidos seus filhos e esposas de maneira covarde e quando se é brioso de verdade e aflora um sentimento de vingança desse tipo a situação é de luta até as últimas consequências.
Você tem razão ao dizer que mesmo com a saída do ditador o cenário é de severa instabilidade, mas um cara odiado por tanta gente assim não tem mais condição de permanecer no poder. Seja com a elite de Damasco, seja com o irmão truculento, seja com China e Rússia contendo uma coalizão internacional. E me parece que falta de homens corajosos não temos por aí.