O Egito é um pote cheio de mágoa
18/05/12 14:40Cairo – Praça Tahrir, 19h40 de quinta-feira. A seis dias das eleições presidenciais, o epicentro da revolta egípcia está calmo, as únicas barracas que restaram são de vendedores de bugingangas e não há sinal de polícia ou Exército. Tomo um chá ali perto, no histórico café Riche, ponto de encontro de intelectuais desde sua fundação, há mais de cem anos. Foi ali que o coronel Abdel Gamal Nasser e outros jovens oficiais tramaram a Revolução de 1952, que derrubou o rei Farouk e estabeleceu a república egípcia, o embrião da ditadura militar que ainda respira.
Ouço as lamúrias de um jovem decepcionado com os rumos da “thaura”, a revolução inacabada. Sobram farpas para o ainda venerado Nasser. “Aquilo não foi revolução coisa nenhuma, foi um golpe”, resmunga. “Nossa revolução foi popular, mas acabou levando a outro golpe dos militares”.
De repente percebemos uma movimentação em direção à praça Tahrir. Pago os dois chás e vamos conferir. A praça mudou. A calma sumiu. Dezenas de torcedores do Al Ahly, o time de futebol mais popular do Egito, pulam numa coreografia de estádio. O canto pede justiça. Muitos usam uma camiseta com o número 74, em homenagem aos mortos no tumulto de fevereiro no estádio de Port Said, que os torcedores afirmam ter sido tramada pelo Exército.
O Egito pré-eleitoral é um pote até aqui de mágoa. Os jovens agredidos querem justiça contra a polícia. Os policiais sentem-se injustiçados com a imagem de vilões e se negam a atender chamados de ajuda, aumentando a insegurança. Agentes de turismo xingam a revolução que fez o seu ganha-pão minguar com o sumiço dos estrangeiros. Islamitas denunciam uma conspiração para lhes barrar a chegada ao poder. E quase todos desconfiam da junta militar.
As pesquisas de opinião são pouco confiáveis, é impossível prever o resultado das eleições. Mas o duelo está reduzido a antigos membros do regime Mubarak e os islamitas. Muito longe do que sonhavam os jovens liberais que deflagraram a revolução. Com tantas mágoas e teorias conspiratórias no ar, uma explosão é um risco permanente.
Hoje a praça Tahrir estava estranhamente calma para uma sexta-feira, ainda mais a poucos dias da eleição. A calma antes da tempestade, me disse um dos torcedores do Al Ahly que perambulava por lá.
Como bem disse o Marcelo, essa tal queda de braço ou disputa democrática, mesmo que aparentemente manipulada pelo exército, não deixa de ser um avanço no Egito, comandado com mão de ferro e tirania por tão longos anos. Como o processo democrático não é de natureza estática mas dinâmica, torcemos para que no médio e longo prazo possa esse povo valente usufruir da democracia que merecer e puder conquistar.
Só conheço e sei quem é democrata, fora do poder. Quando alguem assume o poder, pode ser o maior democrata deixa de ser. Quando um democrata assume o poder ele tem que defender as instituições do estado e assim sendo, deixa de ser democrata.
o jornalista deve ter percebido, no mundo islamico não há qualquer ideia do que venha a ser democracia, ou governo legítimo, as pessoas ficam tristes por não ser o governante alguém do seu grupo apenas, da sua família, religião. Num lugar assim manda de fato quem possui poder de fato, que é quem tem as armas nas mãos, o exército, depois quem melhor controla a ideologia vigente, os líderes islamicos.
Realmente esta era a regra em vigor até a eclosão das revoltas árabes. Em todas elas o movimento teve origem popular, só mais tarde grupos organizados, como a Irmandade Muçulmana (de longe o mais organizado) entraram no jogo. A novidade é que nenhum grupo tem a hegemonia do poder, como antes. Alguns mais fortes, outros menos, todos tem capacidade de influir. Essa queda de braço, que alguns chamam de democracia, pode acabar gerando um equilíbrio representativo. O certo é que nada será como antes. Alianças tribais, políticas e sectárias ainda são o nome do jogo, mas democracia é um longo aprendizado, que nunca termina. No curto prazo, a tendência é o caos. No médio/longo prazo, teimo em continuar otimista.
Ditadores não ama seu povo. Ditadores só amam o poder. E pelo poder esses ditadores estão dispostos a matar seu próprio povo.