Por trás das imagens de guerra
30/04/12 18:28
O paulista André Liohn ganhou na semana passada uma das maiores honrarias do fotojornalismo mundial, a Medalha de Ouro Robert Capa. Premiado por um conjunto de 12 fotos da guerra civil na Líbia, Liohn é o primeiro sul-americano a receber a medalha desde que ela foi criada, em 1955.
Conheci André na fronteira entre Egito e Líbia em fevereiro do ano passado, logo no início da revolução que levaria ao fim do ditador Muamar Gaddafi. Poucos dias depois, perto do porto petroleiro de Brega, avistei André entre um grupo de fotógrafos que pegou carona numa caminhonete de rebeldes líbios, a caminho da frente de batalha com as forças de Gaddafi. A viagem durou pouco: pouco depois eles voltavam a pé, forçados a recuar por foguetes que destruíram a caminhonete e custaram a vida de vários rebeldes. Mesmo com dez anos de experiência em zonas de combate, André estava visivelmente abalado. Mas a atração pelo front não diminuiu: no dia seguinte já estava dentro de uma ambulância rumo aos combates.
Aquele foi o começo de uma longa cobertura para André, que durante meses registrou de perto (e por dentro) alguns dos momentos mais dramáticos e sangrentos da guerra. Em Misurata, cidade que durante semanas ficou sitiada pelas forças gaddafistas, foi ele quem reconheceu os corpos dos fotógrafos Tim Hetherington e Chis Hodros, mortos num bombardeio.
Nascido em Botucatu, André, 39, saiu há vinte anos do Brasil. Cortou lenha alguns meses na Suíça e depois se mudou para a Noruega, onde se estabeleceu. Hoje vive com a mulher e os dois filhos no vilarejo montanhoso de Ariano Irpino, sul da Itália. No ano passado, quando cobriu todas as revoltas árabes, ele passou mais de metade fora de casa.
André é um dos poucos brasileiros que integram a confraria itinerante dos fotógrafos guerra. Profissional independente publicou em alguma das mais importantes publicações do mundo, como as americanas “Newsweek”, “Time” e “New York Times”, e as européias “Guardian” e “Spiegel”, André teve a possibilidade de ficar longos períodos nas áreas de conflito, o que certamente faz a diferença. Com a convivência, o drama anônimo ganha nome e sobrenome.
Vi isso de perto quando fomos juntos no ano passado cobrir para a Folha a tragédia da seca na Somália. Encurralados entre a fome e o terror islamita, milhares de refugiados num campo de refugiados da capital, Mogadishu, mendigavam um prato de comida onde nem a ONU se sentia segura para operar.
Mesmo já tendo feito algumas coberturas de conflito, para mim Mogadishu foi um choque. Principalmente a falta de mobilidade. Em qualquer saída, e elas eram curtas, estávamos sempre acompanhados de escolta com pelo menos três seguranças com fuzis. Sair do carro, mesmo só por alguns minutos, era uma temeridade.
André já havia estado na Somália muitas vezes, o que encurtou os caminhos esburacados de Mogadishu. Ficávamos horas trancados no quarto de um hospital, à espera da escolta. Sem ela, até ir à esquina comprar uma Coca-Cola era risco de vida. Para passar o tempo, assistimos a “Tropa de Elite 2” no computador. As milícias cariocas na tela, as islâmicas do lado de fora. Surreal. E conversas em tempo real sobre o papel dos jornalistas em situações extremas. Trabalhar na linha de frente é tomar decisões o tempo todo. De alguma forma, muitas moldarão a opinião pública sobre o conflito.
André Liohn é o entrevistado desta segunda-feira do programa Roda Viva, da TV Cultura. Ótima chance de conhecer o outro lado das imagens de guerra.