Tel Aviv em movimento
21/02/12 13:56Por 13 votos a 7, o conselho municipal de Tel Aviv aprovou uma decisão que abre caminho para a circulação de ônibus na cidade durante o shabat, o descanso semanal judaico, que vai da noite de sexta à noite de sábado.
Perece trivial, mas na eterna disputa entre religiosos e laicos em Israel, é uma pequena revolução.
Tem tudo a ver. Tel Aviv é a cidade mais cosmopolita de Israel, dominada por um estilo de vida hedonista, extrovertido e laico, de business, praia, cafés e vida noturna (até um animado baile de Carnaval rolou este ano). Em muita coisa, parece mais o Rio que a circunspecta Jerusalém.
Para o poderoso estabilishment religioso, porém, normalizar o transporte público em Tel Aviv no dia de descanso judaico abriria um precedente indesejável, que poderia ser seguido por outras cidades de maioria laica.
O rabino-chefe de Tel Aviv, Israel Lau, reagiu com “dor e desapontamento”. Dramático, apelou ao prefeito de Tel Aviv, Ron Huldai, que não permita que “a vela de shabat se apague”.
De acordo com a interpretação dos judeus ortodoxos, andar de carro, ônibus ou qualquer transporte é uma atividade produtiva e, portanto, proibida no shabat, conforme consta nos Dez Mandamentos. Deserspeitar o mandamento, pensam, é ir contra a vontade de Deus.
Apenas uma cidade de Israel, Haifa, tem transporte público no shabat, uma exceção ao status quo em vigor desde a fundação de Israel.
A origem do status quo é uma carta enviada em 1947 pelo fundador de Israel, David Ben Gurion, a líderes ultraortodoxos. Em troca de apoio para a formação de uma frente única na campanha para estabelecer o Estado judeu, Ben Gurion fez promessas que se mantem até hoje.
Entre elas, o reconhecimento do sábado como dia oficial de descanso, a garantia de exclusividade da lei religiosa em casamentos e divórcios e a autonomia para o sistema de educação dos ultraortodoxos. No mesmo espírito, mais tarde também seria dada isenção do serviço militar para estudantes de yeshiva (escolas religiosas).
O Estado foi fundado em 1948, mas muitos laicos consideram o acordo o maior erro cometido por Ben Gurion, porque discrimina parte da população e sabota um dos pilares da democracia, a separação total entre Estado e religião.
Para eles, o acordo deu origem a um mundo paralelo que gera abusos como o ocorrido no fim do ano passado, quando uma menina de 8 anos foi hostilizada numa cidade perto de Jerusalém por não estar vestida nos rigorosos padrões de modéstia exigidos pelos ultraortodoxos.
Por enquanto, a decisão aprovada no conselho municipal de Tel Aviv é uma vitória apenas simbólica. Para entrar em vigor, ela precisa ser aprovada pelo governo do premiê Binyamin Netanyahu, onde a influência dos partidos religiosos tende a colocá-la de volta na gaveta.
Seus defensores, porém, não estão dispostos a dar trégua. “Os políticos precisam entender que não iremos para casa até que haja um ônibus que nos leve para lá”, provocou Mickey Gitzin, do grupo Israel Hofshit (Israel livre, em hebraico), que promove pluralismo e liberdade de religião no país.
Segundo uma ampla pesquisa divulgada recentemente, 80% dos judeus em Israel acreditam em Deus. 43% se consideram “laicos”, 32% “tradicionais”, 15% “religiosos” e 7% “ultraortodoxos”. Além disso, 59% são favoráveis à circulação de transporte público no shabat.
Mas o apoio da maioria não deve bastar para influenciar a decisão do governo em relação aos ônibus de Tel Aviv. Em 2012, o interesse político de manter o status quo de 1947 ainda é prioridade.
Comentários
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Qual a diferença entre um “tradicional” e um “religioso”?
Gustavo, é um conceito desconhecido por nós brasileiros, mas que é usado em Israel para classificar as pessoas que não seguem todas as regras religiosas, como os ortodoxos, mas respeitam algumas tradições do judaísmo, como a dieta “kosher”. Entre o laico e o ultraortodoxo há muitas matizes, por isso a classificação intermediária.
E depois há quem se sinta indignado em razão de às mulheres ser proibida a direção de veículos na Arábia Saudita ou de gays serem enforcados no Irã. Aprendamos de uma vez por todas que não podemos e nem devemos julgar a cultura de povo nenhum pelos parâmetros de nossa própria cultura. A cada vez que nos arvorarmos em defensores ou críticos disso ou daquilo devemos lembrar que falamos em nome de nossa cultura cristã ocidental.
Concordo com os dois que me precederam. Estou aprendendo muito com o cotidiano de Israel e de Teerã.
Parabéns pelo blog. Eu concordo com o que o Robson falou que mostrar o cotidiano de países que são destaque nas notícias ajuda muito a entender melhor o que se passa.
Boa sorte e sucesso nesta jornada.
É bom ler alguns artigos como este, desmistificando, um pouco que seja, as características culturais de Israel. No geral, o Oriente Médio, para nós ocidentais, é cercado de muitos conceitos prontos. Bom saber que em Israel há uma luz republicana e democrática…
Assim como um corresponde da Folha no Irã está mostrando uma outra perspectiva cultural do país, fico contente que vc contribua também para um jornalismo um pouco menos polarizado. Mostrar o cotidiano desses lugares ajuda a entender mais sobre as complexas relações sociais e, principalmente, a formação da identidade de uma nação muito nova como Israel. É isso aí, valeu…